Quando acessei o Netflix e o sistema recomendou que eu visse o drama “Seu Filho” achei que veria mais uma história besta como as dos filmes com Liam Neeson: o filho é vítima de alguma violência e o pai, que foi matador, militar, policial, agente secreto, ou qualquer coisa assim, sai numa caçada em busca de vingança.
Entretanto, o que encontrei foi um filme denso, até mesmo um pouco difícil de “digerir”, com nuances e reviravoltas que nos fazem pensar o que faríamos no lugar de cada personagem.
O filme conta a história de Jaime Jiménez, médico e patriarca de uma família de comercial de margarina, que tem uma esposa “perfeita” e um casal de filhos também “perfeitos”. Tudo isso vem abaixo na noite em que o rapaz de 17 anos dá entrada no hospital em que Jaime trabalha, vítima de um violento espancamento que o deixa em estado vegetativo.
A primeira consequência deste infeliz incidente é o desmantelamento da família: cada um dos familiares é afetado de um jeito, mas o pai é quem mais sofre, haja vista a suposta proximidade entre os dois e a escancarada preferência pelo filho em detrimento da irmã.
Naturalmente, a família procura as autoridades para tentar elucidar o crime, mas não seria um filme sobre vingança se o sistema funcionasse e os responsáveis logo fossem identificados. Então o médico inicia uma busca solitária e insana por “justiça” (mas todos sabemos que ele só quer vingança) que o leva a encontrar um lado sombrio seu e de sua família que ficavam camuflados pela aura de família “perfeita”.
No fim do filme espectador e personagem principal descobrem que “não era bem assim” e que o garoto de ouro do papai era um filho da puta mimado e sem respeito principalmente pela ex-namorada, que tem um papel fundamental na resolução da trama.
Machismo e privilégios
No fim das contas, “Seu Filho” usa o gatilho da história de vingança para abordar temas bem mais difíceis, e cuja discussão faz-se cada vez mais necessária: machismo, assédio, privilégios.
Começa com o assédio do médico sobre o pai do paciente cuja vida ele salvou; todo médico tem o dever de salvar vidas, mas o doutor imerso na sua dor utiliza da ascendência sobre o outro pai para fazer exigências absurdas; utiliza seu poder econômico para “amaciar” o homem relutante em ceder ao assédio moral do cirurgião.
A narrativa prossegue expondo mais e mais situações de abuso de poder, de falta de empatia, de desrespeito, mas é na cena final que o machismo nosso de cada dia, disfarçado de amor paterno, atinge seu ápice. E é triste pensar que muita gente essencialmente boa — talvez eu mesmo — faria o mesmo sem nem pensar duas vezes.
“Seu Filho” é um ótimo filme, marcado por excelentes atuações, que deve ser visto por todo mundo que não tenha restrições a histórias difíceis e densas. Mas acima de tudo é um excelente retrato do mundo de muitos privilégios e poucos privilegiados em que vivemos, capaz de suscitar reflexões pertinentes em qualquer um que não esteja excessivamente empedernido pelo que quer que seja.
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